Eles choram
eles clamam
eles dançam
sem terra, sem pátria
sem alma, sem cor
sem liberdade
sem rancor
sem vida

eles choravam
eles riam
eles sonhavam
por paz

que palavra é esta
que o homem branco ensinou
quando na ponta da lança
sangrou
nossa tribo
nossa gente
nosso povo
nossa terra

eles choram
eles gritam
eles fedem
carniça

somos poucos
esquecidos
somos gente
de pele
de carne
de alma

eles riem
eles dizem
eles fincam
sua lâmina de guerra
na nossa terra

um futuro que eu esqueci que existia


ele que acreditou nas palavras
enrijecidas de ódio
que erguiam com braços firmes
a bandeira, a arma e a bravata

foram naquelas palavras que marchavam
por uma igualdade fantasiosa
mas encharcadas em venenos de esperança

eles beberam
em goles violentos e afogaram o raciocínio
numa emotiva vingança
e assim ergueram suas taças de plástico
uma liberdade que mal sabiam eles
estaria perdida

ele e muitos outros
esperaram na estação por um trem que não chega
e nunca virá naquela estação
ficaram esquecidos e abandonados

restará a multidão um longo caminho, uma jornada vazia
terão de caminhar pelas vias sem luz
pela chão batido de terra
e terão que molhar os grãos com suas lágrimas
pois ninguém mais olhará para os reflexos dos oprimidos


existirão alguns que irão sorrir
uns poucos que comerão seu caviar para relembrar
um passado obsoleto, mas que encrava suas garras de injustiça.
haverá os traidores que irão apontar os dedos para ele e muitos outros

e assim o grito emancipador será uma acusação de violência
e ninguém ligará para ele e todos os outros
que ficarão sem sonho, sem ilusão apenas encurralados na ignorância

o sol findará amargo e secará as palavras de salvação
minorias se embrulharam em seda para
deixá-los morrer, você e todos os seus.
haverá um silêncio de ordem e um breve soluço de arrependimento.

quando eu crescer

Quando você nascer
olharei nos seus olhos e direi
sou seu pai
trocarei suas fraldas
lhe darei mamadeira
lhe direi eu te amo
por mais que odeie seus berros
por mais que sua birra seja insuportável.
serei seu pai quando você precisar
serei seu pai quando você não estiver olhando

quando você nascer irei enlouquecer
esquecerei a razão e trocarei pela broncas
mas ainda serei seu pai

quando você crescer ainda serei seu pai
serei velho e antiquado
terá vergonha de mim
dobrará a esquina enquanto eu não olhar

mas ainda serei seu pai
estarei esperando um abraço
que você dará igual apenas quando você for mãe

sobrevive a noite
entre os lares
são corredores opressores
oprimindo a noite
somos escuros
pintados, todos estamos

a noite oprimida
entre uma fresta de luz
era um poste
de fios dispersos

minha casa não tem luz
nem no bairro, nem no mundo
meu umbigo
minha vida um caso no bairro da luz
prefiro estar no ventre de minha
pela eternidade
de 9 meses